Laboratórios de Apoio: Leviatã Ou Parte da Solução?

April 4, 2020


Como nos contos de fada tudo começou assim:

Era uma vez, nos tempos distantes, um reino onde os laboratórios eram muito felizes. Neles, pequeninos, trabalhavam pessoas alegres, competentes e apaixonadas pelo que lá faziam. Havia muito mais pessoas necessitadas de exames do que a capacidade destes laboratórios produzirem, pois todos os processos eram absolutamente, manuais. Os cidadãos do reino pagavam em “dinheiros” à vista, ninguém conhecia a palavra “inadimplência”, achamos até que esta palavra nem existia naquela época. Os valores dos exames quem os determinavam eram os donos dos laboratórios. A concorrência era branda, bastava se formar e abrir o seu negócio, o sucesso vinha ao natural. Todos eram muito felizes! Mas neste conto de fadas, a felicidade não dura para sempre. Os tempos mudaram, surgiram nuvens ameaçadoras, prenúncio da tormenta que virou os tormentos característicos da primeira disrupção. Agora, os processos produtivos são automatizados, poucas pessoas podem fazer muito, na verdade, milhares de exames, caracterizando a produção industrial de informações, gerando excedente em relação à necessidade da sociedade, causando o desequilíbrio entre oferta e demanda.

Concomitantemente, a carteira de clientes deixou de ser dos laboratórios e passou aos seguros e planos de saúde, que organizados em grupos passaram a deter o poder da negociação coletiva. Ainda, a verticalização tomou conta do mercado, catalisando a força dos já poderosos, caracterizando uma socialização da medicina. Isto, basicamente causou a precipitação dos valores pagos pelos exames, gerando uma crise de sub-financiamento para os pequenos e médios empreendimentos na área das análises clínicas. Este fato, aliado à gestão empírica dos laboratórios, definiu o verdadeiro problema do setor: aumento do risco de insolvência decorrente da queda na competitividade empresarial. Teve início, então, o caos no mercado, derivado de uma concorrência aguerrida, muitas vezes predatória. Muito bem, aqui termina o conto de fadas e começam os tempos atuais. A ciência progrediu e a tecnologia mudou ocasionando um aumento considerável no elenco de exames disponibilizados à população. Concomitantemente, os equipamentos são caros, de manutenção complexa e elevados custos, sendo necessária a substituição periódica em função da imperiosa atualização, exigindo elevados investimentos dos pequenos e médios laboratórios que não têm capacidade para operar com comodatos, visto a inexistência de escala. Contudo, se você não faz, o concorrente faz! A consequência todos sabemos: é simplesmente impossível para os pequenos e médios laboratórios gerarem caixa suficiente para produzirem todos os exames localmente (in house), acompanhando as necessidades da população em receber uma atenção de qualidade para a saúde. Qual a consequência disto? A terceirização de exames para os laboratórios de apoio, nascidos pela necessidade imperiosa de atender uma demanda de exames especializados, exóticos (esotéricos), que somente juntando uma grande quantidade podem ser feitos de maneira viável economicamente, devido ao ganho de escala. Para isto não existe alternativa técnica e econômica viável, a não ser, centrais de produção regionais. Mas neste momento existe o confronto com algo praticamente impossível: vencer o egoísmo, a soberba dos proprietários de laboratórios que vêm os concorrentes como inimigos, jamais como parte da solução! Esta dificuldade somente será transposta com HUMILDADE, o que torna a tarefa gigantesca numa sociedade em que predomina o orgulho, a crença na superioridade do indivíduo. A racionalidade do ser humano identifica isto facilmente, todavia, a vaidade impede de fazer o óbvio. Digo até o ecologicamente correto, pois como pode uma cidade com 200.000 habitantes ter 20 ou mais centrais de produção de exames operando, de forma ineficiente, desperdiçando os recursos finitos do planeta? É um modus operandi insano dos pequenos e médios laboratórios do País! E, de uma forma geral, quase todos defendem acirradamente o “seu direito de fazer os exames”. Pessoalmente vejo e certamente posso estar errado, que os profissionais da área das análises clínicas devem procurar se atualizar no modo de exercerem a profissão. O mundo mudou! Não podem continuar a fazer de forma obstinada, o que faziam antes, na época dos exames manuais. Devemos respeitar, apreender com o passado. Ouso até dizer, honrar o passado, como horamos os nossos próprios antepassados, porém, no tocante aos processos profissionais, se não nos atualizarmos, seremos simplesmente eliminados do mercado de trabalho. Os sais, os ácidos e bases, as reações químicas, a cinética, o ajuste dos coeficientes das equações, hoje deixaram de ser o desafio dos profissionais, pois tudo isto e muito mais, já constam do pacote da produção industrial de exames, nivelando a qualidade da produção. O diferencial vem dos controles dos resultados, da interpretação crítica destes resultados perante o histórico clínico dos pacientes, a anamnese, ao diálogo com o médico assistente. Ainda, a busca da essência científica dos novos produtos e tecnologias lançados no mercado, sua disseminação junto aos clientes médicos, sendo para eles uma fonte dos novos conhecimentos que trazem benefícios, mas junto, novas limitações analíticas e novos referenciais. Ou seja, o profissional das análises clínicas deve estar capacitado, nivelado tecnicamente com os médicos, cada um na sua profissão, não existe subordinação de conhecimento, tão somente, diversificação de áreas. Também, cabe aos profissionais das análises clínicas, a assistência aos clientes nas dúvidas tão frequentes e aqui não me refiro ao diagnóstico das doenças. Enfim, a razão científica e humana da profissão derivou da essência do ato em si de fazer exame, para uma atividade mais complexa, muito mais ampla, exigindo a expertise da qualificação nas relações humanas, na atenção às necessidades específicas inerentes à prestação de serviços, à experiência vivida pelos clientes na recepção, na coleta, em honrar prazos, locais e modos de entrega dos resultados, em entender de marketing digital, de logística, de finanças e economia. De entender um mínimo, pelo menos, de direito civil, trabalhista, de relações humanas, de métodos de controle de processos administrativos. Em síntese, dos profissionais das análises clínicas, exige-se hoje, que sejam administradores capazes, que saiam do antigo e quase único locus de trabalho (bancada, microscópio), para o mundo globalizado, digital e altamente competitivo. Não há mais espaço para o profissional à moda antiga, que “só faz exame”, isto é o nível mínimo necessário de aptidão, não é mais diferencial competitivo. Mal comparando é como entrar em um avião que consegue taxiar, decolar, entrar em voo de cruzeiro e aterrissar com segurança. Ora, isto é o mínimo que se espera de um avião. Qualquer cliente de laboratório parte da premissa que os exames são feitos com qualidade. Na mente dele não existe alternativa, senão ninguém entraria neste “avião”! E, vejam o interessante, quase sempre que um resultado está supostamente errado, é o seu, nunca é o do concorrente, mesmo que tenhamos todas as certificações e acreditações. Então, atualmente o profissional das análises clínicas para sobreviver como empreendedor ou empregado, tem que estar capacitado de forma multifuncional, com várias competências e habilidades, todas necessárias e honrosas, então pergunto: porque lutar tão bravamente em ficar fazendo exames a maior parte do tempo, principalmente se for ou quiser ser dono de laboratório? Vejam, caros leitores, mesmo dentro, por exemplo, da profissão de farmacêutico, muitos defendem a realização de exames em locais diversos do laboratório, por exemplo em farmácias e clínicas, ou até em residências. São os interesses particulares, é a evolução planetária, não há retorno, o único caminho é a eterna mudança, mesmo que muitos queiram manter o status quo. A SAÍDA É A CAPACIDADE RÁPIDA DA ADEQUADA ADAPTAÇÃO ÀS PERMANENTES MUDANÇAS! Não existe alternativa viável, não é uma questão de justiça, é uma questão fática. Trata-se do mundo real, racional, a paixão pelo “fazer exames” deve ser admirada. Os profissionais desta área são pessoas, de uma forma geral, que amam a profissão. Isto é admirável, contudo, os tempos atuais exigem nova abordagem na forma de “ver a profissão”. Não há retorno, os preços praticados pelo mercado não voltarão a ser o que eram e, o que é pior, a inflação dos custos continuará comprimindo as margens de lucro, exigindo ganho de escala! Mas como os pequenos e médios laboratórios podem ter “ganho de escala”? Este conceito é antagônico aos pequenos negócios. Ou você é grande, ou apresenta habilidades específicas. Do contrário, não sobreviverá! Não é uma questão de justiça, não há para quem reclamar, quem disse que o mundo é justo? É simplesmente a realidade objetiva dos fatos! Traduzindo: ou você se torna um grande laboratório, seja por crescimento orgânico ou por fusões e aquisições, ou se torna um laboratório “diferente”, específico, especializado em alguma coisa que sabe fazer como ninguém, algo diverso do comum. Talvez até uma maneira de ser, uma postura ímpar frente ao mercado, seja de usuários finais ou de médicos. Fazer exames com qualidade é exigência mandatória, não é diferencial competitivo, pois, quem entra num avião cogitando que possa não voar bem, com segurança? Faça coisas diferentes, afinal, exames todos fazem e os laboratórios de apoio fazem muito mais baratos e, no mínimo, com a mesma qualidade, pelos motivos já analisados (ganho de escala, produção programada, logística versus recepção e coleta etc.). Ainda, faça coisas diferentes e de forma diferente, única. Seja criativo em todos os processos, principalmente nos de atendimento ao cliente. Seja empático, se coloque no lugar dele: que dificuldades existem para saber que você existe? Como chegam até o laboratório? Como estacionam e acessam às instalações? Como são atendidos? Como recebem o que lá foram fazer? Como podem reclamar daquilo que frustrou expectativas? Seja diferente nas causas que levaram os clientes até o seu laboratório e não ao do concorrente! Veja com outros olhos o mercado, tire um pouco da sua atenção dos processos produtivos, é claro que mantendo-os sob controle, volte-a para a origem do desejável lucro, ou seja, repito, para o mercado. Os laboratórios são alternativas de investimento e devem gerar lucros para os seus proprietários, sócios ou acionistas. Não é somente paixão profissional por fazer exames! É um modo de ganhar honestamente a vida! De ser feliz com aquilo que mais se faz, ou seja, trabalhar. De ter sucesso financeiro derivado de justos ganhos e lucros. É muito bom fazer o que se gosta, desde que lhe dê como retorno uma vida digna, fruto desse trabalho. Laboratórios são empresas, não somente fonte de felicidade. Devem ser lucrativos! Os laboratórios de apoio são parte essencial do cluster das análises clínicas. Nem os ditos “laboratórios de apoio” vivem sem apoio! Tudo, simplesmente tudo no mundo, está inserido numa cadeia imensa de dependência. O simples ato de tomar um banho, se vestir, tomar um café da manhã, de acender uma luz ou abrir uma torneira, implica na ajuda, na cooperação, na necessidade do apoio, de centenas, quiçá de milhares de pessoas, de organizações! Sozinhos não somos ninguém, sem os outros, qualquer um de nós, pessoa física ou jurídica, não pode sobreviver muito tempo. Somos seres frágeis, dependentes de toda e qualquer ajuda, não passamos de filhotes indefesos, ainda que fortes fisicamente. Nossa fortaleza está diretamente correlacionada à nossa capacidade de aproveitarmos de forma diferente, inteligente (mas honesta), as oportunidades da imensa cadeia produtiva (e de consumo) que são as relações globais inerentes à todas as relações humanas. Ao invés de nos sentirmos vítimas do gigantismo dos laboratórios de apoio, de reclamarmos sem cessar da concorrência destes ou de outros, de vivermos no passado, da lembrança do conto de fadas, vamos deixar do “coitadismo”, vamos levantar a cabeça, olhar para frente, descobrir e inventar oportunidades não só de sobreviver, mas de lucrar com os nossos pequenos e médios laboratórios. Nas minhas atividades tomo conhecimento diário do pensamento e posicionamento, de uma forma geral, dos gestores laboratoriais, principalmente daqueles que operam os pequenos e médios laboratórios clínicos no Brasil. As manifestações normalmente convergem e, sobretudo, se repetem, exaustivamente para os seguintes tópicos:

1.- Situação econômica e financeira ruim, fato que aumenta o risco de insolvência destas organizações. Isto atualmente delimita o problema comum dos gestores laboratoriais.

2.- Culpados que invariavelmente são citados como responsáveis:

2.1- Compradores dos produtos (Convênios etc.).

2.2- Médicos assistentes que demandam os produtos (Serviços e exames laboratoriais).

2.3- Laboratórios de apoio.

2.4- Governos (Federal, estadual e municipal).

2.5- Fornecedores de insumos.

2.6- Colegas de profissão (Empresários na área das análises clínicas).

2.7- Capital externo (Investidores estrangeiros).

Ao invés de buscar as causas somente no ambiente externo, colocar a culpa do problema nos outros, bem como esperar que terceiros apresentem soluções, vamos voltar nossa atenção para dentro dos nossos laboratórios, para as nossas atitudes gerenciais, o que de fato estamos fazendo além de protestar? Que ações gerenciais estamos adotando para aumentar a produtividade, reduzir riscos, incrementar competitividade e lucros? Você está avaliando a competitividade do seu laboratório? Quantificando os custos de produção? Metrificando a rentabilidade de exames, clientes, equipamentos e setores da produção? Calculando o momento certo para a terceirização mais rentável? Você está se comparando (processo de benchmarking) com os seus concorrentes para saber onde está pior e deve melhorar? E como melhorar? E quanto esperar de retorno? E ainda, o laboratório é um negócio viável considerando as características da região onde opera? Caso tenha uma única resposta negativa, poderá não estar controlando adequadamente os processos da sua organização, ainda que hoje esteja lucrando bem! A solução para todas estas questões, virá somente com gestão profissional. Voltando ao cerne da questão, repito que o foco do nosso olhar não deve ser quase que exclusivamente para a produção de exames, ao contrário, deve ser holístico, abranger todos os aspectos que envolvem os processos e ambiente de negócios de um laboratório. Conclamo, vamos deixar um pouco de lado o discurso, de certa forma, até arrogante, de que “eu faço exames com qualidade”, como se fosse só nós que assim procedemos. Certamente, muitos de nós fizemos exames com qualidade. E daí? Isto é o mínimo para simplesmente, atendermos o marco regulatório legal, afinal, trabalhamos com a saúde dos outros! Se o fruto do nosso trabalho for ruim, vidas podem ser prejudicadas e, até perdidas. Repito: isto é o mínimo necessário. É como o avião taxiar, decolar, voar e aterrissar. É o que esperamos que aconteça. Nada tem excepcional, afinal foi feito para isto! Hoje os gestores laboratoriais têm que ser muito mais do que apaixonados por fazer exames. Devem ser GESTORES PROFISSIONAIS. Quem insistir em ser exclusivamente técnico de bancada, em continuar somente a fazer bons exames, não sobreviverá como empreendedor. Posso não saber quando, mas certamente irá entrar em insolvência. NÃO HÁ ALTERNATIVA PARA UM FUTURO INTELIGENTE, A NÃO SER GESTÃO POFISSIONAL PARA OS LABORATÓRIOS CLÍNICOS, SEJAM ELES PEQUENOS, MÉDIOS OU GRANDES. Senão, a estória certamente pode não ter um final feliz, como nos contos de fada. Concluo dizendo que percebo os laboratórios de apoio como parte da solução do grave problema que assola o mercado das análises clínicas. Não os vejo como uma das causas deste problema. Ao contrário, são imprescindíveis para o sistema.

Esperando termos contribuído para os negócios na área das análises clínicas, nos despedimos até a próxima edição da revista NewsLab, onde iremos apresentar os produtos do PROGELAB.

Boa sorte e sucesso!

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